
Redação Publiracing
há 12 minutos



Artur Semedo artursemedo@revistapubliracing.com.br
há 7 dias



Redação Publiracing
4 de out.


Nas minhas andanças pelas cidades brasileiras — ora testando carros, ora observando a dinâmica do trânsito urbano — há algo que sempre me chamou a atenção: o carro ainda é, para muitos, sinônimo de liberdade. É ele que representa a conquista pessoal, a independência e, para boa parte da população, a única forma de escapar de um transporte coletivo frequentemente precário. Mas e se essa realidade estiver prestes a mudar? E se a mobilidade pública deixar de ser uma alternativa cara, complicada e desvalorizada — para se tornar simplesmente… gratuita?
Não é ficção. Segundo dados recentes, mais de 170 municípios no Brasil já oferecem algum tipo de gratuidade no transporte público urbano, seja total, seja parcial. Em cidades médias e pequenas, ônibus gratuitos já são rotina. E em capitais, cresce a pressão popular e política para ampliar a política da chamada “tarifa zero”.
Esse movimento pode parecer apenas mais uma medida social, mas, na verdade, tem potencial para provocar uma transformação profunda na relação do brasileiro com o automóvel.
O transporte coletivo gratuito toca em três frentes que redefinem a mobilidade urbana: economia, inclusão e sustentabilidade. Primeiro, há o fator financeiro. No Brasil, um trabalhador pode gastar facilmente entre 15% e 20% do salário mínimo apenas com deslocamento. Quando a passagem deixa de ser uma barreira, a cidade se abre: oportunidades de emprego, acesso a educação, cultura e serviços tornam-se mais acessíveis — sobretudo para jovens e classes populares.
Depois, há o impacto na igualdade social. É inegável que, por décadas, o transporte coletivo foi tratado como um “serviço de segunda classe”. O carro virou símbolo de status não apenas pelo conforto, mas também por representar a fuga de um sistema sobrecarregado e caro. Quando o transporte público se torna gratuito, de qualidade e eficiente, ele deixa de ser “plano B” e começa a disputar espaço real com o carro particular.
Se a ideia de tarifa zero parece ousada no Brasil, em vários países ela já é realidade consolidada. Na Estónia, a capital Tallinn oferece transporte gratuito a todos os residentes desde 2013 — e o resultado foi um aumento de 10% na utilização dos transportes públicos e redução significativa do tráfego automóvel no centro. Na França, cidades como Dunkerque eliminaram tarifas e registraram crescimento de 60% no uso dos ônibus em menos de um ano. Mesmo em Portugal, a lógica da mobilidade acessível ganha espaço: o passe gratuito para todos os jovens até aos 23 anos, reduziu custos familiares, incentivou o transporte coletivo e evitando que a primeira opção seja o carro ou a moto. Hoje em dia, jovens em Portugal até 23 anos viajam livremente sem limitações, sejam elas deslocações para Escolas e Faculdades, Trabalho ou até mesmo Encontros Sociais.
Estes exemplos mostram algo fundamental: quando o transporte coletivo é financeiramente atrativo, o automóvel deixa de ser a única resposta.
É aqui que o debate ganha profundidade. A expansão da tarifa zero levanta uma questão inevitável: o carro vai perder relevância nas cidades? A resposta não é simples. Em países que adotaram modelos de gratuidade, o uso do automóvel não desapareceu — mas mudou de papel. Ele deixou de ser a única opção e passou a ser uma escolha complementar, muitas vezes reservada a viagens fora do horário de pico, deslocações interurbanas ou necessidades específicas.
No Brasil, isso pode significar uma redução real no número de carros circulando nos centros urbanos, queda no congestionamento e até impacto direto na procura por automóveis particulares — especialmente entre jovens e classes médias emergentes. Para a indústria automotiva, será preciso repensar estratégias até mesmo para países como o Brasil de dimensões continentais.
O que está em jogo não é apenas a gratuidade de uma passagem — é a forma como queremos organizar a vida urbana. Um transporte público gratuito, eficiente e confiável pode significar menos carros nas ruas, menos poluição, mais fluidez e mais espaço para as pessoas. Pode ser a peça que falta para transformar mobilidade em cidadania e não apenas em deslocamento.
Como alguém que dedica boa parte da vida a analisar carros, tecnologias e comportamentos de condução, vejo a tarifa zero não como uma ameaça ao automóvel — mas como um convite a repensar o seu papel. O carro pode continuar a ser sinónimo de liberdade, sim. Mas talvez essa liberdade esteja em escolher usá-lo quando quiser, e não porque precisa.
💭 E você? Acredita que a tarifa zero pode mudar o trânsito brasileiro? Acha que deixaria o carro em casa se o transporte público fosse gratuito, confortável e eficiente? O debate está apenas a começar — e ele pode definir o futuro da mobilidade nas nossas cidades.
Artur Semedo / Editor de Veículos, Transporte e Mobilidade
👉 “A Revista Publiracing acredita em jornalismo isento, relevante e de qualidade. Se também valoriza informação independente, considere apoiar o nosso trabalho.”
Saiba mais clicando aqui ou vá para o link de apoio abaixo
Comentários